quinta-feira, 8 de março de 2012

Manifesto Depurista

Manifesto Depurista
  
Uma noite de Dezembro em vésperas de um novo recomeço. Tão próximos e tão distantes de um final glorioso. Numa mão, uma sensação megalómana que nos dá asas para voar neste sonho. Na outra, uma bomba-relógio denominada senso comum que logo nos dispara para o chão. É como um círculo vicioso, porém, nunca desistimos de arder nesta vontade de mudança e, por isso, erguemo-nos de novo. Sentados no mesmo banco, somos duas cabeças viradas para uma ambição que colide no fatalismo da sociedade. Somos duas luzes à procura de claridade no silêncio frio e nocturno do parque.

Na nossa visita ao álcool, encontramos a face permanente do Homem: um ser, raras vezes humano, que opta pelo caminho mais fácil, aquele que lhe permite andar em círculos pela casa de partida. Dissolvido na mesma visão vazia e opaca, submete-se a pensamentos e sentimentos que não lhe pertencem e desaparece num entediante buraco negro colectivo. Devastados por esta angústia de viver num mundo de um só espelho, por sinal partido, prometemos a nós próprios lutar por algo mais. Insurgimo-nos, no aglomerado de letras transpostas neste papel, contra a comunhão de fanáticos que teima em sobreviver como um pássaro preso numa gaiola.

Gritamos, porque para além de uma singular fachada ignorante de estereótipos e de preconceitos existe um caleidoscópio de bastidores que nos oferece verdade. Seja doce ou seja amarga, é real. É o calor que necessitamos para a alma, o oxigénio do conhecimento interior que nos acerca do aperfeiçoamento espiritual e que nos afasta dos anseios de corrupção, falsidade e consumismo exacerbado. Combatemos, visto que só através desta fonte de introspecção se confere um propósito ao conhecimento exterior. Surge com a descoberta da nossa identidade e da capacidade para reflectir perante o que nos é impingido. Assim que humanos, deixamos de ser objecto de um só sujeito e passamos a ser sujeito de todos os objectos.

Não somos os peões de um governo de multidões que exclama o nosso delírio, mas profetas malogrados e atemporais que insistem em afirmar o depurar do seu ser. Desejamos ser a ponte entre a inconsciência e a consciência, os mensageiros das quimeras de todas as poucas lâmpadas geniais que habitaram este planeta. Reclamamos a adesão em massa à fuga das trevas e um novo fulgor para uma dimensão que temos o poder de criar. Queremos fazer deste ramo uma árvore, dessa árvore uma floresta e dessa floresta a liberdade resplandecente de cada folha.

1. Iludiremos a ignorância e o incompreensível deleite por tal maleita geracional, que tanto fustiga o Homem desde os primórdios e que o torna a ele próprio menos Homem.

2. Atiçaremos a consciencialização de uma boa análise racional e do uso da lógica como instrumentos de clarividência no processo de evolução.

3. Eximiremos da face da Terra todo e qualquer tipo de crença e preconceito fruto, não de pura convicção autónoma – aceitável no nosso juízo -, mas de tradições seculares.

4. Renunciaremos à mentira, à crueldade, à inveja, à soberba, à traição, ao escárnio, ao maldizer e a todo o tipo de luxos terrenos, do dinheiro ao poder.

5. Evocaremos as peripécias desta vida e a sua dualidade de emoções, tão profundamente repudiada, mas tão indispensável. Tal como o bem nada é sem o mal e o mal sem o bem, igualmente a felicidade nada é sem a dor, nem a dor sem a felicidade.

6. Promoveremos o debate e a troca de ideias e experiências de vida.

7. Exaltaremos a ambição e a aventura humanas na sua completa desmedida.

8. Louvaremos os tão mal amados momentos de retiro e solidão, únicos e preciosos como tempos de análise de vivências e sensações passadas e de aperfeiçoamento.

9. Ergueremos um ser envolto num casulo de espiritualidade, conhecedor do papel da meditação como meio de domar a mente e investir por mundos ocultos.

10. Incitaremos todo e qualquer tipo de expressão artística e recreativa incutida num projecto de auto-descobrimento: da escrita à pintura, da música à dança, da fotografia à representação.

11. Unificaremos o Homem com a Natureza através dos incríveis poderes da contemplação e da purificação espiritual.

12. Pelejaremos insistente e incansavelmente pelo amor, construído no idealismo e na correlação espiritual.

13. Consagraremos a liberdade e a independência humanas, nos limites em que se encontram definidas.

No dilúculo de um Mundo novo, o esplendor resplandecente e deslumbrante dos artifícios solares iluminará o mais inóspito esconderijo terrestre e trará consigo a boa nova de um puro e renascido ser, de génese e plenitude não mais dignas de anteriores definições. No carácter, bondade e modéstia, no espírito, agudez e sagacidade. Um céptico de origem, devoto contudo do convencimento pela inegável sensação, que combinará num só corpo o auge da liberdade e a derradeira dependência. Livre pois de materialismos, da erradicada superficialidade e dos movimentos mecânicos pela casa de partida, mas cegamente dependente de uma quête por si mesmo e pelo amor nos recantos do mundo. Outro ser por conseguinte, aqui sonho… um dia realidade.    
                                                                                                                                                                                                                                                   A Vera Norte e Rita Mello
                                                                                                                                                                                                                       

(Fran Silveira e João Fazendeiro)