sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Catalisa Dor

Catalisa Dor

Acordas com um convite de sede
E uma nota de apelo à razão.
São um poço do teu desejo.
Perdes-te nos ponteiros da aceitação,
Encontras-te na dor de um lampejo.

São truques que sabes de cor.
Prometem-te a liberdade da rua
Se lhes juras uma lágrima tua.
Trazem-te a dor de seres quem és
Quer lhes negues a pressão ao invés,
Quer sacrifiques a liberdade aos teus pés.

É assim suster o mundo de braços abertos.
Ao ouvi-lo escapar no imenso do espaço,
Ao senti-lo voltar na aridez do escasso.
É assim verter a dor cascata de mil desertos.

Cresces a fugir à fatalidade da perdição
E no fim tudo o que não querias queres.
Aprendes a estar na redundância da solidão
E no epílogo do que te despedias pedes.
Quando já mesmo a dor rasteja por emoção...

Porque até podes esquecer os monstros do costume
E ajudar um olho preguiçoso adormecer,
Mas não podes evitar a dor de um ciúme
E o cambalear de milhões de erros ao alvorecer!

No fundo, sou eu que vagueio num tímido sorriso!
Sou eu que acredito na gravidade por impulso!
Sou eu que no meu império convulso!
E só comigo toda a dor cataliso!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Espiral

Espiral

Não chamo por ti, mas tenho-te esperado, confesso. Histórias passaram-se desde que tocámos o fim em placidez e o mundo nunca mais teve a mesma voz. Os meus ossos rangem no vácuo, inertes, mais frágeis e descrentes a cada instante em que não me sussurras ao ouvido. Distantes vão aqueles singulares segundos de tirar o fôlego que trocaria por anos de sonhos e ilusões. Em vez disso, conto dias sem cor que duram uma eternidade e uma eternidade de arcos-íris que, em busca da cor certa, para ela deixei fugir... Cometido tal erro, não há no cosmos um deus indulgente que perdoe a um beijo um abrir de olhos. Eu devia ter sido levado pela corrente, cego, deixando que os sentidos remassem por mim.

Agora é impossível viver sem te abraçar uma última vez, após o fazer por uma só vez. É ridículo pensar que uma só última vez seria o suficiente! O tacto que não sofro grita e propaga decepção no meu corpo e é por aí que me presumo morto. Sou um fantasma funambulista, conquanto mais perto de um remoto céu, ainda a um passo em falso de um inferno mais fundo…

Já em suspenso na escuridão, mergulho na parte oculta do icebergue e inclusive lá se revela inútil estar em todas as cabines telefónicas do universo. Amiúde perco sono por uma chamada que nunca recebo, por um toque a que não suplico mais que som. Mas nem aí, nem na liberdade nocturna, contemplo uma estrela disfuncional num milhão. Até de noite és a imagem da saudade que eu mais quero (e de novo) sentir bem longe e até de dia, à superfície, daria a visão por uma nova memória de luz.

A verdade é que necessito de voltar a conjugar o drama e a emoção como de ar nos pulmões, a realidade é que me limito a escrever uma ode aos raros e eternos momentos mortos que para sempre viverão. Sóbrio de tanto vazio, permaneço, em desvanecimento, na expectativa de perder a cabeça ao mesmo tempo que encontro o coração de tudo, quando nem em palavras te posso definir.




E porque gosto de ser anticlimático...

sábado, 8 de outubro de 2011

1993-2008; 2011-?


1993-2008; 2011-?

Como um fogo que arde fora de tempo
Sempre atrasado para tirar proveito do momento.
Como a queima mais lenta no decorrer do ápice
Sempre em queda no mais longo cinzeiro súplice.


Os pensamentos, eles vêm frenéticos,
Já na véspera de uma noite em que perco sono
E neles obceco sem um franja de sintonia,
Fora de um corpo que há muito não é abono.
Os medicamentos, eles devoram tudo menos a disforia!


É algures na exaustão que a sua brevidade me é espoliada
E aí não me importa se és o implorado farol delusório,
A célebre febre de outrora que mais auguro
Dissolvida numa das cenas-limite que cada segundo é na minha mente,
Enquanto o suspense de caras familiares repousa na minha frente,
Perante as pedras pulantes de um riacho de um conto imaturo.


Inspirada que está a beleza de um tão receado niilismo,
Vou fazer as malas e acelerar até à beira do abismo!
Porque até mesmo o castelo no cimo do topo da montanha
Não deixa de estar na companhia do fosso no fundo do vale,
Não deixa de oscilar entre o ar e o mar!


É tempo de jogar com as cartas que tenho,
De usar baralhos amigos na manga.
Os mesmos da ponte do meu desenho,
A mesma que construirei e destruirei,
Sob a razão de uma ignorância que é bênção,
Por fim distante de uma margem a que jamais retornarei!


Costumavas afirmar sem hesitar:
"As sombras são os ontens a que não podes escapar."
Mas há uma fenda no teu argumento,
Pois eu desafiei-as na latitude "amanhã"!
Eu irei conter os demónios bem pela manhã!


Parei de querer virar o meu mundo do avesso
Quando tudo o que há a virar é a minha face do chão.
Passei a querer sentir os épicos calafrios do derradeiro recomeço,
Preparado que estou para dividir a tela e aceitar a tua mão,
Findadas que estão as muitas vezes em que a indecisão decidiu por mim.
Este é o velho confuso trapézio bipolar finalmente a expirar-te um sim!

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Ruptura Adolescente

Ruptura Adolescente
 
Sentimentos que passam à velocidade da luz
Na berma de uma estrada armadilhada por lobos solitários.
É a certeza da vivência num lugar errado
Para a incerteza da existência de um lugar correcto...

Confidências que oiço de cada vítima rendida à carruagem mais curta
Na borda de um precipício que força a sua própria queda.
É fitar as estrelas numa melancólica noite de Verão
Para saber que o seu significado puro fugiu com a infância...

Fluxos de cartas agorafóbicas que se esquecem do destinatário
Numa aresta baloiçante em que as letras sucumbem perante a multidão.
É suster a respiração por qualquer cavalo branco galopante
Para acreditar que o ar do oceano se converterá colorido...

Réplicas de sismos que prometi a mim mesmo olvidar
Numa cidade de um só homem em que o herói é derrotado pela sombra.
É querer viver por um motivo maior do que eu
Para encontrar um paraíso terreno de realização!

Murmúrios de um Outono que embala segundas oportunidades
Numa fortuita folha dourada a quem o vento dá asas.
É a ânsia de fechar os olhos e perder a memória de todas as páginas
Para ganhar a visão libertadora de um recém-nascido!

domingo, 8 de maio de 2011

Ecrã

Ecrã
  
Sou uma pilha de vidros quebrados e espalhados por todos os locais em que vagueei. Em cada um deles está um reflexo que me pertence. Sei de cor o ponto em que descansa cada um dos fragmentos e tenho esta estranha obsessão de lhes passar por cima e dispersá-los ainda mais.

Às vezes, a chuva corre-me na face e solidifica com um qualquer sopro frio, já depois de ter escorrido pelo meu corpo, fixando-se mesmo debaixo dos meus pés. Permaneço aí, num desespero congelado de querer (sem poder) fugir. Outras vezes, uma fortuita borboleta faz incidir em mim o seu calor através de raios de fogo oblíquos e eu posso-me mover enfim. No entanto, de livre iniciativa, viciado na efémera febre da borboleta e facilmente persuadido pela nostalgia que adoça a chuva passada, decido-me pela estadia. O frio volta e o calor sucede-o, o escultor retorna e o calafrio vem de novo. Outra vez, outra vez e outra vez…

Aí eu percebo que sou a arte da não locomoção. Todo o vidro que estilhaço está em mim sob a forma de cicatrizes. Tenho-me pisado há estações sem conta e o meu reflexo é um gémeo omnipresente, por muito que distorcido e vago de mais para me ser captável. Vivo tempos sem bússola, guia-me a procura de uma. O passado, um meio que se torna fim, quando nele busco um presente com futuro.

Como um aspirante a cosmonauta, a maturidade autoproclamada com que observo o recinto em que me habito é um quase nada num todo que ignoro e imagino inocente e ingénuo. Tudo o que sei é o solo que piso no momento. Sem a tímida leveza de consciência de correr em círculos, quando tudo o que gira é a minha cabeça e os meus pés estão bem enterrados no velho planeta pessoal do costume.

Duas forças: temporal e espacial. Escapam-me ao controlo pelo intervalo entre os dedos de uma mão que até está fechada e logo surge um pânico adjacente. O tempo acelera-me, o espaço trava-me, o tempo engole-me como água, o espaço mastiga-me como pastilha elástica.

Cruzamento e encontro? Ambos me aniquilam em arritmias existenciais e fico um vaivém hesitante perante um par de dimensões em batida dessincronizada. Jogam-me a um claustrofóbico gato e rato mesclado num quem é quem. Desorientação óbvia… Pista única: os dois tropeçam em vidros negros ou rosas. É esse o invariável clímax das sucessivas histórias narradas.

Deitado na mesma cama de sempre, todas as noites fecho os olhos: pelo pára-brisas de um carro, avisto um enorme retrovisor do tamanho de uma vida e um amontoado de recordações nascidas num diminuto lugar, o lugar habitual. Esse vidro em particular não existe. É este ego cristalino imune ao que não é a visão do ontem no horizonte, cego à ínfima periferia do túnel solitário em que arquitectou a destruição... Os verdadeiros vidros, esses, juntos, são apenas a soma das partes de um espelho a preto e branco da idade de quem o criou. São as melodias compostas e as letras escritas que há muito quero para trás das costas. Posso viver com elas, só não quero viver delas.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Hipnose Da Apoteose

Hipnose Da Apoteose
  
Mesas estendidas de rumor
E líquidos instigantes de furor.
O início tilintante assentes desta vez,
Brindado à hecatombe que evitas,
Cresces auras para fora do que vês.
Até que no cubo de gelo culminas…


Todavia antiga ao fundo, habita a louca lua cheia,
Cabine onde provaste a nudez de julgamento:
És um penso rápido alheio ao sangue derramado no seio
E bailas mil vozes com língua no mesmo esquecimento.


Numa cintura mundana, um universo te ascendes.
Breve exclusivo, magnificente monumento disforme,
Um cemitério da ordem, palco a contemplar baixas gentes.
Este caleidoscópio de senciência que com auroras dorme…
Deus! Quando te é táctil a sua silhueta resplandecente…


Estrelas cadentes sobem,
Palavras pendentes somem.
Dissipa-se a imunidade do desespero,
Emancipa-se a gravidade do sentido.
O abstracto a concretizar-se nos demais…
Mas enquanto a paranóia não são outros,
O eu ainda são eles quando não a têm…

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

És O Paradigma Da Ficção Mais Cruel

És O Paradigma Da Ficção Mais Cruel

És a hipocrisia do teu choro glacial,
A dissimulação dos teus em falso passos.
Uma beleza incontornável de carmim
Que esconde o veneno mais mortífero.

És o materializado doce amargo
Servido num prato de duas faces.
Um futuro adivinhado pelo passado,
Supra-presságio cego de ilusão.

És o vício toldado ao pestanejar os olhos,
Uma verdade oculta por uma íris opaca.
O deslumbre dos teus lábios politeístas,
Culto eterno expoente máximo de encanto.

És o convite enigma, perfeição paradoxal,
A sedução de um subtil e fraudulento toque.
Toda a falsidade que baila pelo mundo
Num só corpo infectante de mentira.

És a anatomia-mor da realidade.
Uma inocência fingida inventada
Por uma narrativa profetizada
De uma vitória a ti destinada...

é que eu

Sou um vampiro de filmes noir,
Um meme fatale que estava
Mesmo a pedi-las para escrevinhar
Ideias batidas de um letrado com clava.