sexta-feira, 20 de março de 2015

Killer Joe - Cão Come Cão

Recensão Crítica















Depois do idêntico e despojado remake de 12 Angry Men (1997), da claustrofobia paranóica de The Birthday Party (1968) e Bug (2006), em Killer Joe (2011), William Friedkin retoma metaforicamente a noção de unidade de espaço. Cinco anos mais tarde, colaborando pela segunda vez com o argumentista Tracy Letts, transcende a sensibilidade teatral com que a deuteragonista casa-caravana é captada: ora através de planos gerais exteriores sugestivos de solidão, ora por via do aprisionamento ao interior de automóveis, asfixia-nos um Texas rural, sujo e inescapável habitado por escarros humanos, beatas olímpicas. A desumanidade é a única geografia da diegese.

A premissa narrativa assente num assassinato em família - epítome de disfuncional - atenta numa apólice de seguro e evoca o paradigmático noir Double Indemnity (1944), mas Friedkin fá-lo num atoleiro sangrento e num humor negro reminiscentes de Tarantino. As personagens, hipérboles do imaginário redneck, são estupidificadas ao ponto de motivarem tanto uma schadenfreude (riso pelo mal alheio) como uma insensibilidade perante espasmos de violência e estupro. 

Chris (Emile Hirsch), antes de se fixar enquanto pêndulo moral, desencadeia toda a acção num efeito dominó em que os cifrões e o falocentrismo são os fins de todo o meio. Só o polícia Joe Cooper (Matthew McConaughey), homicida/psicopata em part-time - o Robert Mitchum de The Night Of The Hunter (1955) com guarda-fato à Terminator -, confere uma gota de ordem no caos. Numa actuação potente, deixa o quase silêncio falar por si, expressando com frases curtas e de rosto fechado uma aura clínica, metódica e letal. Apenas desarma siderado pela falsa marioneta Dottie (Juno Temple), esse anjo que ajuda o inferno a ingeri-lo.

Nervoso e acorrentado como o cão que late na penumbra de uma tempestade nocturna, Killer Joe é a fábula perfeita para acordar antes de adormecer, um conto de imoralidade que, sem freio, conduz as personagens a lado nenhum. Nenhuma aprende senão a errar compulsivamente. 

Deste lado da tela, a obra desembala de modo pornográfico o mesmo tecido social de sempre: a hierarquia do individualismo esfomeado, a mera sobrevivência em que até uma perna de frango é feita ego.