terça-feira, 12 de março de 2019

Como Um Estranho A Olhar Para Mim Sem Me Ver #0

Nem sei por onde começar [chamo-me Francisco e tenho 25 anos?! (ugh, vergonha alheia; e merda, já parênteses dentro de parênteses (dentro de...))]. Tudo o que escrever aqui vai soar fragmentado, desconexo, convoluto, perdido - é esse o estado em que estou. Não entendo um "eu", não entendo o mundo, não situo um "eu no mundo".

Durante anos a fio - do início da adolescência aos primeiros anos de idade adulta -, senti-me sempre sozinho. Avassaladora e hiper-angustiosamente sozinho. Sabia que uma relação íntima, aberta, segura, duradoura como nunca tivera - em suma viver a mais profunda conexão humana que só encontrava na proximidade distante de uma qualquer obra de arte adorada e relacionável - era o que mais precisava. Sabia mesmo, posso hoje dizer que não estava errado - afinal, como poderia não saber quando naquele lamaçal psicológico dos 14 aos 21, estava, desde os 15-16, tão dentro e próximo de mim mesmo. Sim, eu era bem para mim mesmo um visionário da minha própria miséria. A solidão fez-me isso.  Escrevia. A necessidade e a possibilidade insuficientes de uma diminuição microscópica da solidão fez-me isso: escrever. Escrevia e, a prazo de uma urgência de voltar a (d)escrever (variações d)o meu mundo pouco mutável, podia respirar. Escrevia aqui, no palco subterrâneo deste blog... e merda. Vezes dois. Já estou a ser meloso perifrástico enleado em metáforas e flores (pirosas flores com lágrimas).

Enfim... Retomando, escrevia aqui na expectativa que, talvez, alguém lesse. A ilusão disso era um balão de oxigénio. Não só sabia que ia havendo uma mão de pessoas que me iam lendo, como o link para o blog espraiado por páginas ou perfis meus de redes sociais sustentava a libertadora hipótese mental de mais conhecidos ou desconhecidos se interessarem pela minha insignificância mundana. Quiçá, mais do que isso, o meu discurso ascendesse àquele estatuto divino do "relacionável" e  alguém se sentisse compreendido em reflexo - aquela bela ironia de, em busca de conexão, conectarmos outrem pela própria expressão da nossa desconexão.

Escrever era então e no fundo um exercício de geometria. A solidão fez-me também e sobretudo isso: geometria, um exercício de... Fez-me um quiromante das minhas precisas mãos.  Sabia as linhas em que hábito habitat habitava, sabia as linhas que me sufocavam. Estava parado confortável quieto pequeno dentro dessas linhas (e não o afirmo com lentes cor-de-rosa, sentia-me mil vezes pior que hoje). À espera de uma série de coincidências que redundassem num milagre. Sabia sábia a linearidade do que me faltava: "alguém algures".  Twist do twist dos twists na minha patética (e até aí aparentemente fadada) existência: aconteceu. T... Melhores tempos de sempre, sem dúvida - épico; um filme visto, sonhado e vivido. A eles voltarei...

Mas agora vejo - surpresa surpresa! - que o instante de conhecer a T simboliza também a minha passagem para fora das linhas, as linhas quiromantes das minhas precisas mãos. Já não estou em controlo, não mais... Sou um fio de uma marioneta de um universo indiferente como sempre, caótico como nunca. Como onde quando quem porquê? O meu "eu" não computa. Nada. (Come e cala.) Claro está, não quero com isto dizer que a T representa isso, refiro-me antes a esse tal instante de a conhecer: Setembro de 2014, o mês dos meus 21 anos. Em torno do meu temor - que parecia auto-profético - de ficar e de me sentir absolutamente sozinho para sempre, florescia tóxico isto: o pânico de envelhecer e adoecer; o pânico protésico de ver a família nuclear envelhecer e adoecer; a realidade próxima de eu ter de crescer ao cúmulo de uma independência, responsabilidade e autonomia radicais.

Tudo isso aconteceu de forma mais ou menos severa. De Setembro de 2014 a Março de 2019 - algures entre as duas margens -, vivi o melhor período da minha vida, vivi o pior período da "minha" vida (não chegava bem a ser minha...). Ou seja, funciona assim: supre-se o teu sempiterno buraco negro existencial, sobes ao céu e começas a estabilizar num profundo bem-estar geral que menoriza todos os problemas diários (sentia-me assim, genuinamente feliz). Logo, mas logo, levas um choque, múltiplas cargas de porrada da (ir)realidade: cais à Terra e, nela, à própria terra. Em simultâneo, o hábito desvanece o quão especial é sentires-te nos braços de alguém que te adora sem prazos ou contextos - ainda que não te esqueças disso, a percepção comanda a razão e não há "obrigado por existires" que te retorne aos climáticos meses ou anos iniciais de um "profundo bem-estar geral que menoriza todos os problemas diários". Verdade e consequência: a pessoa que te adora torna-se demasiado "humana" para tratar os teus tantos golpes, tu tornas-te demasiado "humano" para tratar os tantos golpes dela. "Estou aqui", dizes tu e diz ela. "Não te consigo ajudar mais do que isto", lamentas tu e lamenta ela. Um mútuo lamento para dentro. Quer dizer, não deixam de se adorar e talvez estejam mais sólidos e co-dependentes do que nunca, mas não conseguem, humanamente, fazer mais do que ajudar um pouco. Um grande pouco, diga-se. E um pouco, também, como um beijo de boa noite de um pai ou de uma mãe deixa de aconchegar a totalidade do teu ser com a infância a desaparecer e o mundo real em aumentação brutal. Acho que estou aí outra vez.

Doutro ângulo, em rigor, a omnipresença "pronto-socorro" da T permitiu-me abafar o meu "envelhecer e adoecer"; "a família nuclear envelhecer e adoecer"; "uma independência, responsabilidade e autonomia radicais". Isto, ao ponto de perceber que cometi um erro enorme. Percebi-o há muito e cada vez mais, à medida que perdia o "profundo bem-estar geral": não posso abandonar os desabafos, a escrita diarística. Nunca mais. Tenho uma espécie de invalidez ou incapacidade crónica em lidar com e enfrentar o mundo sem o fazer. Validação e ordenação mental, é uma questão disso. Porque o caos também vem daí, de ter adiado completar um post desta estirpe durante quatro anos e meio (o máximo que fiz foi ficar a meio de um no final de 2017 e,  um ano depois, tentar começar outro mas acabar por escrever um poema de forma involuntária), desde que a T surgiu do nada (estou tão agradecido à indiferença do universo que a isso levou) e perdi a urgência de me explodir n'O Lado Distorcido - de facto, se saí ainda mais para fora das linhas do que aquilo a que a realidade me obrigou também foi por culpa própria...   

Aconteceu tanta coisa; vivi as maiores transformações da minha existência; passou tanto tempo, há tanto para dizer aliado a uma sensação de não conseguir dizer nada... Deus... E agora sinto a impossibilidade de alcançar com o mapa (a escrita) o território (a vida). Como restituir o meu lugar aqui e sumarizar os últimos 4 anos e meio? Como não depender disso para escrever de forma entendível sobre o meu presente? E como conciliar a escrita sobre essas duas coordenadas temporais? Estou a aprender a andar e a falar outra vez; preciso urgentemente de recuperar a naturalidade e a espontaneidade no discurso, nos desabafos - mais directo, menos poético; talvez mais focado e menos holístico no que diz respeito ao objecto de escrita de cada post quando comparado com o que era habitual no passado. 

Também sei que, mais do que nunca, estou a escrever para mim mesmo (embora o desejo seja sempre que não apenas para mim, pela simples pretensão, neste registo diarístico, de me sentir mais compreendido, existente e verdadeiro no mundo), já que excepção feita à T, vivo o meu auge de invisibilidade pessoal e tampouco tenho Facebook de há uns meses para cá... De qualquer modo, esta série de posts que passarei a intitular "Como Um Estranho A Olhar Para Mim Sem Me Ver" - depois de já se terem designado por um simples "Update Pessoal" e a seguir, super condizentemente, "Festival Egocêntrico" - são só lixo do futuro. Futuras memórias íntimas no máximo... 

Necessito, em suma, de reconquistar um hábito perdido, de perder a sensação de ao escrever neste blog estar a escrever no espaço ou no quarto de outrem. Sem perfeccionismos e regras auto-impostas como sempre obceco em fazer, mas com regularidade... Qualquer coisa como não passar mais do que uns dois ou três meses sem vomitar angústia premente. De momento (e este longo momento vem em crescendo desde Outubro de 2017) sinto-me tão enganado, humilhado, frustrado e vulgarizado por questões, sobretudo, universitárias que é desesperante e também provável que o próximo post incida um pouco nisso. Para já, o que queria era mesmo introduzir esta vontade de retoma de uma honestidade e um abertura constantes comigo mesmo.  É que já me sinto uma fraude: conspurco-me todos os dias com sorrisos falsos perante pessoas, atitudes e decisões que abomino... Quando tiver tempo e cabeça, pois urgência não falta...