quinta-feira, 16 de maio de 2013

Six Feet Under - "I Need You So Much Closer"

Esta cena de Six Feet Under não cessa em causar-me arrepios. Não há muitas que provoquem em mim tamanho tumulto emocional. Até porque agora está associada a uma carga nostálgica. Rever isto é voltar ao Verão de 2011.

O uso da "Transatlanticism" dos Death Cab For Cutie (a minha música preferida de uma banda top 10) encaixa de um modo perfeito na série e nas personagens envolvidas - em particular no percurso transformativo da Claire (Lauren Ambrose) - na cena. Quem a visualizar fora de contexto não captará o poder deste minuto sublime, claro.

Six Feet Under é uma série tão humanista, tão real e credível no desenvolvimento de personagens com demónios, imperfeitas e complexas. É tanto sobre a morte como sobre a vida, as diferentes perspectivas... Todos os indivíduos, sem excepção, ganhariam em acompanhar esta obra-prima do princípio ao fim. Um must da televisão.

É certo que as personagens nesta cena estão sob o efeito de estupefacientes, mas isso não retira qualquer profundidade ao instante. A droga é bela em certos cenários, aliás...

"I Need You So Much Closer" em uníssono é um momento humano arrebatador, genuíno e puro! Um exemplo exímio de uma fugacidade que será permanente pela memória. Uma canção sobre distância que faz com que ela deixe de existir, como se as personagens habitassem uma consciência conjunta, um paraíso unido. Tudo envolto numa ambiência soporífica. Aquece o coração!

Tudo: Eu (Ou Seja, Nada)

Um dos últimos posts do blog tem como título parcial "Desabafo Que Nem Precisava De Desabafar". O que estou prestes a postar sai de mim na condição contrária e é o resultado de um primeiro ano de ensino superior que está em vias de encerrar, das conclusões brotantes desde Dezembro de 2012. Preciso muito de me extrair de mim, dominante que está esta sensação que me subtraio de tudo e todos. Vejo-me preso ao que sou e nas muitas vezes em que reverto o relógio, compreendo cada vez mais a imutabilidade do "eu", como tudo, desde sempre, me tem encaminhado numa só direcção: uma solidão estrangeira em todo o lado. Como uma droga, esgoto-me no amor pelas suas premissas. Quero a fatalidade deste romantismo, partir dela para a quebrar mais tarde num final cinematográfico.

À diária corda na garganta de ser um fantasma, de só eu perceber a minha consciência, de só importar para o espelho, entro no quarto, escrevo as opressões e lanço-as por esta janela. Quando a única solução que sabes não resultar é a mesma em que insistes em círculos... História da minha vida! Então, tento pela liberdade da palavra ser algo mais belo e não o solo gélido que me percorre dos pés à cabeça. Colocar o ego no centro e fitar o lago é a minha fórmula única de comemorar a existência. Não sou sequer o apêndice de outra alma e só nas letras tenho este palco subterrâneo e silencioso de fazer soar um som. Distante da superfície, mas com uma despensa de esperança de um reflexo exterior me ouvir. Vivo na mesma página-questionário: poderá o meu eco entrelaçar-se ao grito de outro sem interesses corruptos, sem contextos facilitadores, sem tempos efémeros (como se não bastasse o pouco que temos)?

Vou tentar resumir os conflitos internos e coisas do momento por temas, ainda que todos se toquem e se unam no que sou, ou melhor, na minha ideia do que sou, no estado em que estou. De qualquer modo, sou a repressão disfarçada de pessoa. Há tanto para ser expulso e partilhado...

1. Música

Falando em formato sintético de música que me tem violado os sentidos... Uma banda sonora para o próprio post...

Beck - "Lost Cause". Sea Change é um álbum excepcional na discografia de Beck. Menos irónico e humorístico, mais sincero e carregado de tristeza do que é norma. Perfeito se estás miserável pelo fim de algum relacionamento (ou pelo acumular de absurdos, que é o meu caso), por exemplo. Esta música atinge-me tanto.

 

Paramore - "Ain't It Fun". Canção presente no novo álbum (incrivelmente eclético) da banda. Um olhar mordaz, sarcástico sobre o "rebentar da bolha" que é a vida adulta num registo energético de funk e com o uso de um coro gospel mais para o final. A letra é simples. Não obstante, mais importante é a paixão com que é vocalizada (a Hayley Williams é de longe a artista musical do sexo feminino que mais aprecio): "Ain't it fun / Living in the real world / Ain't it good / Being all alone / Ain't it good to be on your own / Ain't it fun you can't count on no one..." Também me questiono sobre o que fazer agora que "o mundo deixou de orbitar à minha volta"... Uma eventual razão para me mover é tão obscura...



Big Star - "Thirteen". Um sereno clássico dos anos 70 que captura a inocência perfeita do que é ser um adolescente apaixonado. Intrinsecamente nostálgica, não é um requerimento ter memórias associadas à sua audição. Os Big Star mereciam mais sucesso do que tiveram... A melhor canção apropriada para Freaks and Geeks que nunca marcou presença em Freaks and Geeks, já agora...

 

The National - "All The Wine". Os The National são a banda mais importante dos meus últimos 9 meses, uma paixão tardia que não resultou há anos atrás. Cresci e compreendo melhor a estética melancólica da banda. Matt Berninger é um "liricista" fantástico. Letras complexas, sombrias e todavia, de fácil relação para um jovem. A solidão citadina, a desilusão da idade adulta, ansiedade social, estados depressivos... Esta música ( do álbum Alligator) é invulgar já que é positiva, quase uma proclamação de poder megalómana ("I'm a festival, I'm a parade") e tem uma ambiência de rock de estádio reminiscente dos U2. Sair à rua com ela nos ouvidos corresponde a uma sensação de grandeza indescritível. O novo álbum (Trouble Will Find Me) arrisca-se a ser o meu favorito do ano.



Daft Punk - "Something About Us". O facto de esta canção me atingir fundamenta-se em dois grandes motivos: o crescente interesse por música electrónica (numa invasão liderada por M83) e a associação ao Lost In Translation (começo a dar por certo que é o filme da minha vida, inigualável). Minimalista na letra e no som, podia de facto integrar-na banda sonora sem dificuldade. Preciso de ouvir o novo álbum...

 

Goo Goo Dolls - "Slide". Não sou grande fã da banda para lá de Dizzy Up The Girl, um dos melhores álbuns de pop rock do final dos anos 90 (para mim um oceano de memórias de infância). "Slide" é tudo o que mais gosto encapsulado em 3m e 30s. Um som polido, energético e gritante de emoção. "What you feel is what you are / And what you are is beautiful" são versos que me causam arrepios. Tanta exaltação e entusiasmo... Apelam ao meu lado melhor de adolescente vivo e dinâmico.



Dream Theater - "Solitary Shell". Não estou muito familiarizado com os Dream Theater nem com música progressiva no geral. Sei que se destacam pelo virtuosismo técnico e pela criatividade, à semelhança do género no geral... Ficam para explorar no Verão... Dito isso, a "Solitary Shell" faz parte de um álbum conceptual (Six Degrees Of Inner Turbulence) que lida com vários tipos de contenda humana. O segundo disco resume-se a uma canção de 42 minutos sobre transtornos mentais dividida em várias partes. Esta é uma delas... É a letra que me atrai, podia ser sobre mim. Acompanha a vida de uma pessoa isolada e alienada da infância à idade adulta: "As a boy he was considered somewhat odd / Kept to himself most of the time / He would daydream in and out of his own world / But in every other way he was fine"; "As a man he was a danger to himself / Fearful and sad most of the time / He was drifting in and out of sanity / But in every other way he was fine".

 


2. Inutilidade / Amizade
Os meus pais não concordarão, só eles. Nem devia ser de outra forma. Uma excepção por ligação familiar, a única pela qual nem se precisa de fazer nada. Haverá quem nem nisso se pode sustentar, o que é ainda pior, claro. No entanto, não há qualquer contacto interior, nem me perturba que não haja, pois não tem de ser uma relação de amizade. Não advém de conexão, de partilha de intimidade, problemas, anseios, felicidades, sonhos, gostos, etc. Também são os únicos cujo mal me afecta emocionalmente (uma preocupação que pela vivência em dimensões diferentes não é regular nem explícita). Funciono muito numa onda de me preocupar com quem dá sinais fortes de se preocupar comigo... Nesta fase, prefiro um ambiente de total independência, contudo. Estou melhor longe de casa e de uma localidade pequena, desprovida de oportunidades e movimento.
 
É um combate diário este sentimento de não servir para nada. Há quem tenha a sorte de não precisar de outros para conferir sentido à vida, não é o meu caso (eu por mim sou uma beata). É frustrante porque este pathos está a tornar-se no tamanho do meu tempo. Posso escapar quando me envolvo em algo, quando me empolgo com ideias que me vêm à cabeça... Somente isso. Todos os dias acabo por remoer o assunto. Todos os meus maiores sonhos envolvem contacto profundo, honesto e permanente com outras pessoas. Seja pelo relacionamento (algo que devia ser atingível e comigo nunca é) ou por uma segunda via (um plano B que advém do flutuar que são as relações na minha experiência): a escrita, ou seja, mais pelo que crio do que por mim intrinsecamente. Se estou condenado a ser um deserto, a única coisa que me pode revigorar é a criação de algo que não o seja. A afirmação do "eu" por via indirecta. De resto, quase todo o tipo de acção se resume à (f)utilidade, a trabalho de formiga (por mais importante que seja), de servir os interesses de privados ou da sociedade. Não num nível de intimidade, que é tudo o que me diz alguma coisa... Sou alérgico à negação da primeira pessoa do singular.

Por breves momentos no 12º (1º período) acreditei que tinha encontrado pessoas que me tomavam como uma parte do seu universo. Havia motivos para o pensar, tendo em conta que estavam mais comigo do que com outros ou que os encontros passavam por vezes do contexto comum chamado escola. Aos poucos tudo foi ruindo. Pensava eu, ingénuo, ser alguma prioridade, ainda para mais quando num caso o relacionamento ia ao âmago do ser... Até foi excepcional no sentido de perdurar até há pouco tempo, mas quando uma pessoa é capaz de te convidar para uma conversa e nela mesma afirma precisamente que se está a lixar para ti... Meu Deus! Expliquem-me o ser humano! 

Hoje sinto repulsa (e só pretendo distância) dos poucos a que pude chamar "amigos" em 19 anos de vida. Estiveram sempre entre aspas. No sentido contrário, tenho em boa nota muitos daqueles com que me fui cruzando, sem grande proximidade, ao longo dos anos. Colegas de turma, professores, pessoas que conheci no futebol...
Para mim, amizade ou é eterna ou o termo nunca foi o adequado. Nem sou "agarrado", no sentido que passo bastante tempo sozinho e aprecio a solitude. Só espero que exista sinceridade, prioridade recíproca, comunicação que não se resuma a conversa fiada (como eu a detesto!)... Um contacto constante que surge por naturalidade. Não vejo como é que pessoas que não comunicam durante várias semanas podem ser amigas... A não ser pelo contentamento que parece existir por vulgarizações...

É muito por isto que estou cansado da humanidade. Não espero perfeição, não peço mais do que aquilo que referi. Se, com frequência, passo tempo com alguém é porque gosto da pessoa, se gosto dela só lhe peço o que escrevi... Quero ser um dos protagonistas de alguém, tal como quero fazer de alguém meu protagonista. Antes de se chegar a esse ponto, percebo a fase do conhecimento, do contexto (e adoro conversar, pode ser algo tão enriquecedor). Se nunca passa disso e se dá motivos para pensar o oposto, é uma relação podre, feia. Pelo menos eu não tenho por hábito ser presença habitual na vida de alguém que me é indiferente por dentro. Mas há quem consiga ser "monstro" o suficiente para estar com outros de forma constante só para evitar a companhia a solo da própria consciência...

Para baixo da amizade, só retiro lógica do relacionamento assente na troca de ideias. Impressões sobre a condição humana, política, arte, aulas ou mesmo algo menos importante... Sempre odiei rumores, o bater na mesma tecla da bebedeira de ontem à noite (epítome da conversa fiada)...

Este tema é um clássico aqui no blog, mas também não tenho a ilusão de ser o único que quer algo sincero e se sente incompreendido. A diferença é que a maior parte das pessoas aceita os problemas que assinalei e prefere ter uma sombra de amizade, a mim esses obstáculos repugnam-me e acabo por me isolar. Prefiro a dormência do nada à frustração do mais ou menos.

Exausto e preso a uma réstia de esperança indissociável ao ser humano. Não acredito que isto se vá resolver e, em concomitância, uma parte de mim, no canto de um quarto vazio, contradiz-me. Dói estar agarrado a um fio tão ténue. Acomodava-me não ter qualquer expectativa (ou talvez não e isso tornasse a vida um desespero entediante), porém não é assim...

A realidade é que estou "fodido", morto! Já estou na faculdade e até ao dia de hoje, os meus momentos com outros não passaram de fogachos. Grande parte das pessoas já têm uma base de relacionamentos importantes fixa, outros começaram a construi-la no início do ensino superior. É óbvio que esses indivíduos, mesmo estando abertos a novidades, pouco se importam com desconhecidos (e é impossível dedicar tempo a muitos, se queres tratar os mais importantes como merecem). Depois, ainda pior, as pessoas com que, por norma, me enquadro e identifico, mais introvertidas, são invisíveis (tal como eu).

Posso queixar-me da realidade envolvente e é um facto que poucas vezes foi a ideal para mim. Pouco importa, o problema é meu. Uma adolescência inteira de insignificância e a culpa é minha, o fatalismo de ser quem sou, de reagir mal aos contratempos, de não me conseguir expandir.

Que saudade atemporal de estar conectado a um número reduzido de seres humanos em que mais importante do que o predicado em conjunto, é o simples facto de estar com eles... Num plano mais realístico, os momentos de humor que antes caracterizavam o meu quotidiano são agora exíguos.

Há um buraco tão grande entre o que sinto/penso/sou e o que faço. Há tanta paixão (ainda que agora desvanecente pela falta de estímulos exteriores) por detrás desta apatia. Pelo menos gosto de acreditar que sou mais do que a inércia avassaladora, esta aparência de quem se está a cagar para tudo e todos...

Porque é que uma pessoa como eu tem o presente tão gratificante de ter vida (começo a pensar que so é de facto um presente quando bem sucedida), de poder estudar, de ter boas ideias, de até ter pessoas que se vão preocupando consigo se é incapaz de tomar partido disso? Qualquer um no meu lugar faria melhor do que eu.
Gosto de mim, juro que gosto e durante bastante tempo não o pude afirmar. Aprecio as premissas, como referi antes. Sinto-me um acidente de viação ou o resultado de um, porém. Não estar vivo não mudava nada...

E já nem avisto isso num olhar melodramático. Sou sensível, não da mesma maneira que era no secundário. Estou a ficar seco, a perder a melancolia, o contentamento suave de estar triste. Em 2013, aliás, tem-me preocupado a falta de preocupação mais do que a preocupação per se.
Só para terminar, eu bem gostava de me preocupar com as contrariedades dos outros, não conhecer e não ter laços de empatia com esses outros é que não ajuda em nada...








 













3. Amor / Paixão

Este tópico tem menos que se lhe diga à semelhança dos que seguem. É, em particular, estapafúrdio, visto que se a amizade está a uma ponte queimada de distância, o amor está a duas. Só tem algum fundamento porque também vou falar de paixão... Coloco a diferença fundamental entre os dois termos no facto de amor ser eterno (mesmo que um eventual relacionamento dessa natureza tenha um fim) e a paixão ser um fogo a prazo se não se metamorfosear no primeiro conceito...

Tenho tido sonhos recorrentes com uma pessoa, é sobretudo presença regular no subconsciente e vivo com outra, consciente, na cabeça. Ambas do secundário... Ora o que isto demonstra é o estado miserável em que me encontro desde há muito, já que a comunicação com as duas foi quase inexistente. É RIDÍCULO oferecer o trono dos sentimentos a alguém que mal deu pela minha presença. Serei um flash nessas vidas e elas, em oposição, são um mundo na minha. Um mundo que nunca escolhi...

Ainda para mais quando a rainha subconsciente, cuja paixão me leva de volta a Março/Abril de 2011, é o ideal feminino que transponho num pedestal (inconsciente) em termos de escrita. Edifica-se na melancolia, na minha versão feminina pré-faculdade. A verdade é que essa pessoa nem sequer é nada disso pelo que conheço (superficialmente dela). Projectei no escuro a minha avidez, vi num corpo o portador de um sonho. Insisto em associá-lo a uma mentira. Talvez por ser o sentimento mais poderoso que alguma vez senti por alguém, o meu subconsciente catalogou-a como símbolo do meu maior desejo: conexão. Temo que esta ilusão seja tudo aquilo a que posso almejar. E magoa relembrar tantos instantes exactos de paixão fantasma e solitária.

Pior: se estiver a falar de algo consumado a nível amoroso tenho que viajar no tempo até a um período em que era imaturo, cego interior, sem uma gota de auto-estima, a uma altura em que o meu carácter estava em formação embrionária. Só a partir dos 17 anos me passei a sentir em definitivo como "eu". Será neste enquadramento que se explica o facto de pensar nas hipóteses de relacionamento sempre que me sinto atraído por uma rapariga (ocorre mais quando não tenho mais nada com que me preocupar) ou de ficar deprimido quando provocam em mim tal reacção. Carência e julgar que nunca estive mesmo com alguém, já que quando estive nem sequer era eu... Desperdício. Mais uma vez, história da minha vida!

Estando neste ponto, frustrado, poderei sentir algo genuíno? Se, eventualmente, alguém que considerasse atraente nutrisse algo por mim... (realidade irreal, sou invisível...) Imagine-se que eu correspondia. Como poderia saber se sentia mesmo uma verdade ou se estava a reagir com base na falta de atenção que habita o meu ego? É que perdi a capacidade de iniciativa sentimental. Necessito de fortes sinais de zelo do interlocutor. Já não surge aquela paixão ilusória e arrasadora. As semanas, os segundos em que sentimentos dessa espécie se propagaram em mim são tão sublimes e incomparáveis... Já nem o devaneio ocorre!

4. Faculdade

Em alguns dos meus posts transparecerá um certo descontentamento com o ensino em relação à questão da avaliação e de ser tratado como uma fábrica de trabalhadores por alguns. Reconheço que a minha visão do que devia ser é utópica, eu agarro-me muito no sonho. Quer dizer, acho estúpido classificarem-se alunos, ainda para mais quando o que está em causa não é mais do que a capacidade de expressão escrita e oral, de memorização ou realização de trabalhos com pouca liberdade... Óbvio que compreendo os motivos, tem de haver organização, provas de que se adquiriu conhecimento, etc.

Só queria começar por aí para explicitar que, apesar disso, a faculdade é uma bênção. Escolhi o curso que pretendia e tem me agradado, foi a decisão certa. Só aponto dois inconvenientes: um por interesse pessoal que consiste na escassez de literatura e filosofia e outro que penso ser uma falha do curso. Creio que não há nos 3 anos qualquer cadeira musical baseada na música da segunda metade do século XX / princípios do século XXI que não seja a dita erudita. Penso que seria muito conveniente compreender as ondas musicais que mais estão no nosso quotidiano. O fenómeno do psicadelismo dos anos 60, o surgimento do hip hop na década de 70, o new wave / post-punk dos anos 80, etc., etc., etc.

De resto, tenho apreciado muito as cadeiras de cinema e música. A cadeira sobre novos média tem sido excelente (a minha preferida pelas implicações psicológicas/sociológicas no presente)... Até em teatro há temáticas interessantes e eu pouco interesse tenho na área. Uma das maiores qualidades do curso é mesmo a variedade.

Mais para a frente, gostarei ainda mais, acredito, pois agora adquire-se o conhecimento exterior para depois nós mesmos fazermos uso dele. Aguardo com expectativas a cadeira de crítica cinematográfica, por exemplo...

Noutra vertente, as aulas são fundamentais para disciplinar a mente. A organização de conhecimento está feita e a informação contextualizada, só tenho de a captar e interpretá-la para mim.

Indo em contradição com o que disse acima, é o preciso facto de existir avaliação que me faz aguentar o barco. Mesmo que não devesse ser assim, tendo notas razoáveis/boas sinto que estou a fazer algo certo na minha vida. É um placebo para o ego... Espero não fazer asneira neste 2º semestre. Os meus hábitos de estudo são horríveis e doentios. Pouco faço ao longo dos meses e depois mergulho na véspera...

5. Obstáculos Interiores

Para além do que escrevi antes, que aspectos explicam a minha alienação?

-A mistura de um complexo de superioridade com um complexo de inferioridade cria uma dissonância estranha. Sinto-me mais consciente e evoluído a nível mental do que a maior parte do pessoal da minha idade; sinto-me um idiota completo em termos de sociedade, de convenções, de burocracias. Tanto por ansiedade perante a novidade como por desprezo e discordância. Não suporto multidões. Tenho a sensação que a partir de certo número, um ser humano a mais significa um aumento proporcional da estupidez e perda completa de individualidade. De qualquer modo, o que há a retirar é que sou um inepto social.

-Sou obcecado por conferir eternidade a algo. Sei que estamos condenados a morrer, embora não pense que isso signifique por certo o fim de tudo (deambulo entre o deísmo - quando estou maravilhado com a beleza do mundo e o ateísmo agnóstico - quando estou em baixo). Na minha infância tive dificuldades em lidar com isso e de anos em anos tive crises existenciais, mas não passo o quotidiano perturbado com a efemeridade (só no sentido de pensar que tenho de agir agora, porque isto não dura para sempre). Sem dar por isso, na adolescência, redireccionei essa eternidade até aos relacionamentos, porque aí não há irreversibilidade. No ano de 2013, estando vivas, saudáveis e em liberdade só por escolha as pessoas colocam numa relação um ponto final ou reticências duradouras. Daí que essa decisão me entristeça, rejeito-a. Tratam-se os ditos "amigos" como objectos descartáveis, ferramentas para alcançar um fim pessoal e egoísta, seja material ou emocional...

-Tive várias experiências novas desde o 11º/12º, no entanto continuo a ficar enclausurado nas areias movediças do medo. Sou um "pussy", é uma palavra estúpida e adequada. Forço quando é um medo calculado. Quando se trata de um desconhecido integral (e pode tratar-se de algo simples), bloqueio, fico ansioso, autoconsciente até ao fundo e adio o confronto. Custa-me deslocar-me até algum lugar para tratar de burocracia e custa-me iniciar conversações com alguém que não falou comigo primeiro (não é vergonha, é uma espécie de regra mental de não querer perturbar, de não querer que me mandem para um certo sítio, de não querer ganhar um motivo para me massacrar - pois fui eu que iniciei tudo - caso venha a ter uma relação com essa pessoa e ela acabe, tal como todas as outras até hoje). Além disso, qualquer actividade para a qual não pense ter capacidade, conhecimento, qualidade resulta em fuga. Isso é sinónimo de me limitar à escrita e ao futebol. Só aí me sinto competente e só aí tenho alguma auto-estima ligada ao mundo exterior. Rejeito as minhas fraquezas com o uso do zero...

6. Escrita / Leitura

Aqui não há grandes novidades, mas visto que é o meu foco existencial neste momento... Continuo a ser atingido por ideias nas aulas, em casa, na rua. É uma sensação muito boa, das poucas que vai animando os meus dias.
Estou mais organizado do que no passado. Depois cometo o erro de me viciar na organização e procrastinar o uso das ideias... Este Verão será importante. Se mal o aproveitar vou pedir a alguém que me dê um enxerto de porrada.

Tenho lido bastante para os meus padrões habituais. As minhas poupanças vão tendo como destino a compra de livros. Tenho mais ou menos definido o que quero ler nos próximos anos. É excelente voltar o foco para uma outra prática artística para além de cinema, TV e música, visto que a literatura tem tudo que ver comigo, há universos inteiros que podem entrar de mim e isso é fundamental para melhorar o que eu quero criar (perceber tons, mecanismos, truques, erros, opções, etc). Não pretendo ficar-me pela leitura de ficção. Áreas como a psicologia, cinema ou música estão no topo dos gostos também... Pena que em termos de poesia esteja a ser complicado descobrir uma "vibe" ideal, uma estética que me penetre, para lá dos nomes mais célebres.

Do que li este ano tenho de destacar três obras:

-Looking For Alaska (John Green): Um hino à adolescência, às novas experiências, ao crescimento junto de outros, mas não uma abordagem superficial e lamechas como muitas são. Vários momentos de reflexão sobre a incerteza, a morte, a religião...

-Noites Brancas (Fiódor Dostoiévski): Obra de estética romântica sobre um sonhador que exaspera por amor na solidão de São Petersburgo. Adoro o modo como o cenário é tão psicológico, tão conectado aos sentimentos do protagonista. Ler este livro foi ler-me a mim no futuro e nas palavras de um génio, de um mestre. Grande expectativa para ler Crime e Castigo este Verão, consciente que será totalmente diferente de Noites Brancas, claro.

 -A Morte De Ivan Illitch (Lev Tolstoi): Uma morte progressiva na primeira pessoa, uma vida a prazo, a dor de saber que os outros, mesmo tendo compaixão, têm em si o desejo de nos ver partir pelo sofrimento e confronto com o fim que neles causamos. As consequências de uma existência centrada no materialismo e sem grandes paixões. Esta citação de Nabokov é perfeita: "Ivan viveu uma vida má e como uma vida má não é mais do que a morte da alma, Ivan viveu uma morte viva; e como depois da morte está a luz viva de Deus, Ivan morreu numa nova vida - a Vida com V maiúsculo." Negro ao ponto de deixar um nó na garganta...

É uma pena ter saltado a leitura na adolescência. Eu que na infância tive tanto contacto com livros, fui educado para ler... Há uma nostalgia gritante ao rever livros desses tempos, como se as ilustrações tivessem ficado fixas nas traseiras da memória todo este tempo.

7. Futebol / Benfica

A partir de Fevereiro/Março comecei a sentir uma saudade imensa do futebol de competição. Não era de esperar, andava até um pouco exausto. Sendo mais explícito, vontade de poder ter mais 4 bons anos (os restantes, sempre que fui de 1º ano de dada camada, são para esquecer), de sentir que podia contribuir tanto para um bem maior do que eu: uma equipa. Dizer que jogar futebol é das coisas mais importantes que fiz na minha vida é um dado óbvio. Pouco bate a simples sensação de me julgar capaz em campo ou do esforço transcendente em momentos de adversidade colectiva. Tudo perfeito quando as coisas eram assim e em 4 épocas foi assim muitas vezes. Quem me dera que não tivesse de terminar tão cedo... É secundário que tenha sido uma jornada em ioiô...

Estou-me a aperceber da relevância de ter uma actividade que passe pelo corpo, pelo exercício físico. Não jogar só salienta a minha difusão entre mente e corpo, retira valor e motivação face ao mundo exterior. Era algo que todas as semanas me oferecia um lugar para agir e objectivos palpáveis.

Mudei da infância até agora em termos de gosto por seguir o mundo do futebol (um aparte: é interessante que seja a única actividade em que me identifico com a cultura portuguesa). Sou honesto, hoje tenho pouco interesse em acompanhar qualquer equipa que não seja o Benfica (é um caso à parte; talvez o meu único interesse irracional). Fascina-me quase em exclusivo o mundo da arte. No que diz respeito ao acto de jogar, aí nada mudou. Sou uma criança feliz quando precisam de mim e quando acredito em mim. 

Neste encadeamento de nostalgia, espero que no Verão continue a contar com as noites no polidesportivo. É um hábito de há tantos períodos estivais. Não quero mesmo perdê-lo. Enfim, é o valor inefável dos grandes pequenos momentos...

Na senda de exercício físico, tenho corrido com alguma regularidade e nada, mas nada do que faço durante as semanas se compara à satisfação soberba que correr provoca em mim. Sentir vida, esforço, ar puro e o relaxamento posterior. É nesses instantes seguintes que a paz invade e tudo está bem, a beleza é tudo. É ainda um auxílio na regularização do horário de sono que eu tenho por hábito desregular e que, dá-me a entender, está associado a um estado de mau-humor com o mundo. O jejum de futebol também leva à falta de ritmo nas outras tarefas diárias. O preenchimento do horário semanal era um auxílio a uma maior rapidez de trabalho. Produzo mais sob pressão.

Umas palavras acerca da temporada do Benfica. Uma desilusão em última análise, mas penso que Jorge Jesus, por muitos defeitos que tenha, acabou por provar que tem vindo a disfarçar os problemas da estrutura ao longo destes anos. Inventou um onze e soluções para o banco depois da destruição do meio-campo em Agosto de 2012.

A qualificação para a final de uma competição europeia foi a realização de um sonho de criança. Há 10 anos não acreditaria se me dissessem que iria ocorrer tão cedo. Foi o momento mais emocionante da minha vida enquanto benfiquista. Uma pena a final perdida.

Não me vou debater muito quanto ao campeonato, só referir que o Benfica pode muito bem ter caído num estado de stress pós-traumático. Uma eventual saída de Jorge Jesus (não tenho opinião definida; só não continuará se não quiser) tem de ser colmatada com alguém de créditos firmados. É uma fase delicada, não podem haver retrocessos para os tempos de Quique, Fernando Santos ou Koeman. Treinadores portugueses que dão garantias? Mourinho e Villas-Boas. Alvos irrealistas. Terá de ser um nome com palmarés e devidamente acompanhado de adjuntos que o informem do futebol português.

E pronto, vençam a Taça de Portugal. Saberá a pouco, tendo o céu estado tão perto. Este twist ending está ser trágico de mais para não ser ficção. Pudesse eu desligar-me do Benfica. É impossível...


8. Planos / Futuro

Não queria que se resumisse a mais um afastamento do mundo exterior. O meu Verão vai ser isso pela enésima vez. Crescimento mental induzido pelo isolamento e pela experienciação de arte.

Defini uma lista (sou meio obcecado em numerizar, fazer rankings...) de filmes, documentários, séries que preciso de ver no sentido de explorar o subconsciente e a memoria/amnésia, sobretudo. Basta juntar a leitura, a escrita, o futebol e corridas. Nada mais. Tudo o que farei é a repetição do passado. Espero que a solitude sufoque a solidão. Certo é que sairei das férias demasiado como eu e mais estranho face ao mundo, o habitual.

Há 12 meses, o futuro era incerto. Atraía-me essa ideia de não fazer a mínima ideia do que iria suceder e a entrada no ensino superior era mais que um quarto escuro, era um armazém. Entretanto ligaram-se as luzes e percebi que estou confinado a um cubículo.

Engraçado que agora vou tomando consciência que desde criança me direccionei em linha quase recta para o nada. A maior parte das minhas memórias mais saudosas são digitais: envolvem televisão, videojogos filmes, música... Ou então apenas ambiências, tons sem vidas. Nada de mal com isso, não fossem as memórias com outras pessoas tão raras. Com uma ou outra excepção, fui sempre um grão de areia perdido. Não é de estranhar que enquanto criança brincasse sozinho e com a minha imaginação.

Começo a visualizar o futuro em visão de túnel e o que tenho no horizonte não é nada agradável. Consigo ver-me daqui a 10 anos (se estiver a respirar). Um tipo com algum conhecimento teórico, "book smart" e só, como sempre. No outro espectro, as pessoas com quem cresci a viajarem, a casarem-se, a terem filhos, coisas do género (não que eu tenha os dois últimos exemplos como grandes sonhos). Enquadrados no mundo, capazes de coisas como planeamento financeiro ou tratamento de funerais. Eu até em "funcionar" num emprego (caso consiga ter um) terei dificuldades.

Serei uma formiga esmagada. Vou ser os meus sonhos de adolescente, vou ser os meus 18 anos destruídos pelo tempo, por mim, pelas minhas fraquezas, por nunca ter retirado o melhor proveito do meu potencial, por me ter afastado de tudo e todos. Vou ser os lamentos num bar, mas não os vais ver. Estão dentro. Está sempre tudo dentro. Vivo duas dimensões inconciliáveis. Vou ser o casulo a reverter em larva e a refugiar-se no passado: o meu novo futuro. O não-presente repleto de apartamentos numa rua que se estende. Com cada edifício cada vez mais longe, na senda da amplitude crescente entre o nada que sou e os momentos em que pude ser tudo. Sim, vou ser o que quis ser. Sempre. Já pressinto as pernas sentadas no banque do parque,  à espera que morra a vida que resta. Encontraremo-nos por lá, onde a árvore conhece o prédio... Quando o insecto exturque as asas do ser aspirante a humano. Também vais ser comércio.

9. Tópico Número Nove

No tópico número nove vou focar-me no que o título do tópico indica e o que o título do tópico indica não é nada, portanto não me vou focar em nada. 

Só quero dizer que se o meu fatalismo é a solidão e a insignificância, que possa ao menos num futuro próximo envolver-me em alguma actividade estimulante. Isso tornava tudo mais aceitável, desde que seja algo em que o meu contributo faça alguma diferença.

É um alívio expulsar estes monstros de dentro de mim. Repito o que escrevi no Lado Distorcido há dois anos: é como preparar a cama para um longo e descansado período de sono. A internet é uma almofada reconfortante. Agora posso calar as letras modo desabafo durante semanas!

P.S. Para todos os efeitos é relevante apontar que este ano, apesar do odor a vácuo, consegue ser bem melhor do que o meu 10º ano - primeiros tempos de secundário. Lá está, pelo motivo de me compreender, gostar de mim, etc.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Aura Umbilical



No seu ensaio, The Work Of Art In The Age Of Mechanical Reproduction (1935), o filósofo alemão Walter Benjamin define aura como o capital simbólico da obra de arte. Formam-no as marcas de autenticidade e singularidade que advêm do rasto deixado pela sua origem e contexto histórico. O anúncio da perda desse capital simbólico é associado à emergência da reprodução mecânica/técnica e respectiva queda da reprodução manual. A primeira (por exemplo através da fotografia a partir do século XIX) destaca-se por ser mais veloz que a segunda (o bronze é uma das hipóteses), o que permite uma intensificação do processo. Com o cinema sonoro passa a ser possível fixar as imagens em simultâneo com as palavras do actor e aumenta o grau de presença.

O que Walter Benjamin argumenta é que “o aqui e agora do original encerra a sua autenticidade” e a isto está alheia a qualidade da reprodução da obra de arte. Por mais perfeita que seja, é desprovida de existência singular num só lugar, tempo e contexto. É no original (único) que está a vida, um percurso de alterações na estrutura física (quase inevitável pelo desgaste que a passagem do tempo significa) ou eventuais mudanças de proprietário.

A obra de arte parece, em certa medida, metaforizar a condição do ser humano – enclausurado no aqui e agora. Cabe à reprodução técnica divinizar o artefacto por intermédio da omnipotência que lhe imputa. Torna-se mais independente e livre a inserir-se em cenários e situações inviáveis ao original. No entanto, a mesma reprodução leva a obra de arte à queda do pedestal em que reinava como objecto sacralizado, ícone religioso. Nessa senda, ocorre uma massificação da arte e da cultura.

Encaminhando o texto para um pendor mais subjectivo, creio que é erróneo vincular o termo “massas” a um sentido pejorativo. A democratização e a acessibilidade generalizada do artefacto – enquanto representante da condição humana – propiciam um aumento de consciência à escala global. Os universos estéticos que em nós penetram são um método exímio de educação. A cultura e a arte são o pão e água da mente, um abissal contacto inter-humano que ascende a sobrevivência a vivência.

Ainda que a presença real perante o original seja de particular relevância quando lidamos com pintura, escultura e arquitectura (visto que o conteúdo único e central é, demarcadamente, o próprio material) ou teatro (a relação entre actor e público é uma premissa fundamental), a cópia tem o seu emprego, seja complemento ou substituto (um bem menor quando é impossível aceder à fonte).

Num outro espectro, não penso que o problema da reprodução esteja no desvincular do contexto histórico. Pelo contrário, por via dela, há uma libertação da obra, o que alarga a nossa área de interpretação. Algo que, em princípio, só será negativo para um historiador de arte… De qualquer modo, um artefacto, para os nossos sentidos, acarreta sempre um significado duplo: o da criação e o do período da reapreciação (relacionamos os dois de imediato e de forma inconsciente). A ideia da sua origem dependerá mais do nosso conhecimento histórico do que da sua experiência ao vivo.

A aura? Desvanece? Opino que é reprodutível, contudo uso o termo numa acepção diferente. Considero que o original concebe auras descendentes e que a proximidade maternal é determinada pela qualidade da cópia. Todavia, a semelhança não é uma necessidade para manter no artefacto um espírito. Em detrimento de um fac-símile, existe a chance de paródia ou de recombinação, por exemplo. Mais ou menos distante da sua genealogia, haverá uma aura envolvente. Mais ou menos evidente, nela pairará um traço umbilical - analógico com a lei de Lavoisier: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. 

A chave para o éter está na experiência individual, na exequibilidade de extrair da obra uma emoção estética. Um vai conhecê-la no quarto, outro numa viagem de automóvel, alguém num parque. Todos vão gerar um artefacto distinto, porém essa inevitabilidade é não só inerente a uma (inarredável) consciência exclusiva, mas também à ambiência do local em que se encontram ou inclusive ao período do dia. Inventamos miríades de contextos, exploramos diferentes ângulos mentais, trocamos e somamos ideias acerca de certa pintura.

Na sua faceta negativa, os museus encarceram a obra de arte num espaço, numa conjuntura, numa dada iluminação e em horários. Assim, até eles a retiram do seu âmbito de criação, fazem dela uma peça constituinte de um catálogo. São um vidro invisível de mediação.

No panorama da reprodução digital prevalecente na actualidade, o maior risco será a sobrecarga informativa e subsequente baixo limiar de atenção (passagem de objecto em objecto sem o devido devotamento). Contraponho com o jogo de escala praticável (podemos contemplar detalhes) e, acima de tudo, com a exposição contínua ao artefacto. Para mim, pelo menos, anos de relacionamento com um holograma superam um só e isolado momento presencial. Crescer com a obra, com a sua dimensão universal e multifacetada é conhecê-la melhor e, pelo seu eco, a nós próprios e ao mundo.