domingo, 28 de outubro de 2012

Rosa Em Azul

Rosa Em Azul

Meus olhos, bem fora das linhas do meu corpo
Eles sentem na íris o meu invisível sangue claro,
A frágil e doce verdade que repousa no colo do meu escopo,
A ferida bela que derrama nos escombros do oceano,
E o que todos vêem é o ego camuflado no vidro do meu copo,
A ilusória aparência transparente do céu em primeiro plano.


Amanheço e estou azul, sempre nunca o sendo.
Só respiro a fatídica distorção de não me ter em mim,
A dissonância de ser o pôr-do-sol num meio-dia de Verão
E por isso bebo o esquecer do vinho do qual estou a fim
Na esperança de adormecer silhueta simétrica da minha emoção.


Tão longe de estar perto por estar tão próximo da tua distância
É suficiente um ténue toque para saber onde jaz a minha rosa raiz.
Trespassas-me, serena flor de pigmento vivo que me traça em ânsia
E desespero na esfera da espera da tela em que circula o teu verniz
Enquanto flamejo o bafo gélido do engano divino de nascer discordância.


Recordar uma lenda, o desencontro fatal de um lobo e de um falcão,
A aliança do dia e da noite separada por género e tom de prosa.
Como em mim, o amor entre a física e a química num só alçapão,
No escuro difuso, os “meus” dedos azuis mergulhados num coração rosa,
Sobreposto a um eclipse, o impressionismo a despir-me de Platão.


E se somos duas marionetas de paradigmas que nós próprios criámos
Deixem-me ainda assim despertar na máscara da minha natureza.
Entrelaçados, o vermelho nos lençóis brancos em que nos fundámos,
Unhas da mesma árvore, glaciares ardentes num trecho mútuo de subtileza,
Não mais opostos iguais, um espelho recíproco da tez em que nos casámos.


Talvez seja uma planta de muitas lágrimas numa carne de poucas palavras,
A sensibilidade sublime que na física mente a química que deveras sente,
Ou o mero fingimento de um papel que à realidade congelada entreguei.
Vem, dilúculo supremo e faz perecer a heterocromia com que encaro o meu poente.
E no poslúdio, como musa, entrelaço os suaves fios de novelo em que me viciei
Até que vejo, sob o labirinto dos meus longos cabelos, um lago narcisista de outra cor.