sábado, 22 de fevereiro de 2014

Her

Her é um filme situado num futuro próximo que reflecte a contemporaneidade em espaços urbanos de países desenvolvidos. Nessa senda, se por um lado acompanha o retrato citadino moderno de Lost In Translation com uma fotografia polida e saturada, há por outro quase uma oposição na exploração dos mesmos temas de vazio existencial e ânsia de conexão. O início do século XXI de Tokyo em que as relações interpessoais aleatórias eram ainda uma possibilidade forte transforma-se na L.A. do futuro próximo de Spike Jonze em que o mundo digital, completamente impregnado nos diversos ramos da sociedade, as limita a um carácter secundário, de chances frágeis. Não o afirma em julgamento, mas sim em contemplação.



A noção de solidão em conjunto é explorada, tanto no caso específico de Theodore Twombly (Joaquin Phoenix) como nos sucessivos planos de indíviduos em contacto, via auricular, com os seus sistemas operativos, em espaços públicos lotados. Porém, ao remeter para a era da singularidade, o conceito do que é uma relação verdadeira é problematizado. Samantha (voz de Scarlett Johansson) é um de múltiplos exemplares de tecnologia artificial, é moldada a partir do seu portador Theodore, mas a verdade é que acaba por se assumir em definitivo como uma consciência, por ganhar uma voz livre. Não será a relação entre os dois mais real, honesta per se do que no momento em que Samantha propõe anular a sua descorporização através de um avatar humano?  

O filme nunca se toma a si mesmo num registo de total dramatismo e isso contribui para a transmissão de melancolia. Essa alegria de estar triste está no humor relativo às cenas dos videojogos, no minimalismo da banda sonora dos Arcade Fire ou mesmo no conforto, no apelo que a predominância de vermelhos gera.


















Theodore é um paradigma estranho da sociedade em que se insere. Tem como emprego a escrita de cartas para a relação de outras pessoas e fá-lo com competência, contudo também ele é entorpecido, revela semelhante incapacidade de expressão, provavelmente decorrente do hábito de que a tecnologia aja em nome do indivíduo. As suas constantes hesitações ao falar são disso sintomáticas. A insistência em grandes planos e no íntimo do apartamento do protagonista facilitam a empatia. 



















Her poderia estar sujeito à crítica de ser o exercício de um fetiche machista de um homem apático, auto-indulgente e deprimido. Essa crítica seria apenas um juízo moral e nunca qualitativo, a meu ver, no entanto o desenvolvimento narrativo elimina essa hipótese. Theodore reconhece a sua objectificação da ex-mulher Catherine (Rooney Mara), face à qual, com o tempo, passou a amar mais a ideia de estar casado do que a própria pessoa. É a transcendência em liberdade de Samantha que o consciencializa dos permanentes idealismos, que o torna capaz de transpor para o seu próprio relacionamento com Catherine a habilidade para a escrita de sentimentos, de reconhecer erros e elevar a gratidão por um passado em que cresceram juntos.

Os últimos momentos da obra são poderosos, culminando com um plano em que a amiga Amy (Amy Adams) pousa a cabeça no ombro de Theodore perante a paisagem urbana nocturna a partir do topo de um prédio. É um gesto de conexão, de dois seres humanos esfolados, cuja cabeça faz escala em situações existenciais simétricas e que evoca a mesma melancolia sublime de Wong Kar-Wai ou Sofia Coppola.

















Um aparte: entrou no meu top 10 de todos os tempos e motivou-me uma ideia interessante que conceptualizo como simbiose estética.

Já tinha falado de Her antes, de quanto expectava este trabalho pelos temas analisados e pela estética adoptada. Agora, em avaliação, confirma-se aquilo de que estava à espera: adorei, achei soberbo.

Cada vez me identifico mais com esta união temático-estética (semelhante à de Chungking Express e Lost In Translation, por exemplo). Deduzo que existiram, em primeiro lugar, elementos nestes filmes em que me revi e, em simultâneo, rever-me neles tornou-me num ser mais próximo (ficaram tatuados nos meus sentidos). Moldaram-me os ideais, os valores, a noção de beleza e romance (entre outras) e, por conseguinte, a minha predisposição é cada vez mais para me apaixonar por obras assim... São versões artísticas do ser que sou (e elas criam muito desse "sou"), são um espelho que me confere validação externa, conexão humana. Apresentam-me o máximo a que posso - sendo realista - almejar na minha existência...

Update Pessoal #3

1. A menos que algo forte que motive expressão ocorra, vou entrar em blackout do "eu" (de posts deste tipo) nos próximos tempos. Estou cansado, exausto de mim, dos meus festivais de egocentrismo. Claro que eles acontecem por ter poucas pessoas com que me preocupar e por elas não estarem presentes fisicamente. Nada me daria mais prazer que poder focar-me, atentar em alguém que não eu. Acredito com convicção que tenho algo a oferecer a colegas de espécie. Frustra-me que males invisíveis, obstáculos interiores sejam a minha cruz a suportar, que nunca me faça ver...  

2. O que é que uma rejeição que foi, face aos desenvolvimentos recentes, inesperada significou para além da dor imediata e aguda que acarretou (ainda bem que esqueço estas coisas com facilidade)? Primeiro, a perda da expectativa foi uma artéria perfurada, um maremoto do subconsciente para o consciente de uma hemorragia interna que estava estanque. Essa hemorragia é o meu isolamento opressivo... É fodido. Tento sempre construir-me à volta de outras pessoas e nunca gostei de alguém assim... Neste caso, depois da desilusão inicial, custou mais compreender que ser humano x se está a lixar para mim a todos os níveis... 

Mas houve uma segunda consequência, uma luz. Falta encontrar o túnel que me leva a ela... Sofri uma injecção de niilismo, estou mais solto. Em relações, pior do que me aconteceu é improvável. Também reflecti a fundo sobre todas as vezes em que fui incorrecto ou não me expressei como devia com outros. Estou a fazer certas pessoas saber... Sinto que me tenho tornado melhor nos últimos meses. Mais flexível, empático, tolerante. Isto veio acentuar essa evolução. Noutro plano, se quiser ser positivo, há um número substancial de atitudes/acções/iniciativas tomadas nos últimos tempos (desde Dezembro e ainda mais depois do que aconteceu...) a que sempre fugi no passado. Só receio que aos 20 seja um pouco tarde...

Interlúdio: Isto x1000!!!

"I'm not saying that I'm giving up
I'm just trying not to think as much as I used to
Cause "never" is a lonely little messed up word
Maybe I'll get it right some day
For the first time in a long time I can say
That I want to try
I feel helpless for the most part
But I'm learning to open my eyes
And the sad truth of the matter is
I'll never get over it
But I'm gonna try
To get better and overcome each moment
In my own way"




3. Devia-me ter "vestido de palhaço" em permanência (não só de vez em quando) no início do ano lectivo transacto e devia ter anuído "sim" a mais coisas. Nunca me foi muito difícil actuar e era por aí que ia criar possibilidades. As pessoas simpatizam com quem baixa as defesas, demonstra as imperfeições e é activo, empático, cómico... Deixa de ser um concurso de ocultação de defeitos... Tive as minhas razões (para lá de transtornos psicológicos), mas nem as vou enunciar, pois eram erradas... Infelizmente, segui o meu retrato de adolescência: um tipo só sentado num banco. À espera. À espera de nada como se isso pudesse num tiro de sorte levar a tudo... Agora é complicado. É complicadíssimo fugir a ideias que se cimentam sobre algo ou alguém. E não visualizo nenhuma actividade ou lugar em que me possa recriar. Sempre isto...

4. Um amigo propôs-me uma determinada ideia e não podia concordar mais. Espero, portanto, que o que vou afirmar seja um pouco menos absurdo (para lá da parte de ser uma generalização). Se por um lado a interacção profunda com pessoal somente hedonista, que não tem anseios de instrução, é quase impossível (desde logo porque estes a desprezam), por outro há nos mais academizados, nos intelectuais algo que me é incrivelmente repulsivo: a colocação da razão num pedestal e, em alteridade, o julgamento de que a sensibilidade, a emoção é algo inferior, rasca... Aplaudo sempre esta citação: "O miserável receio de ser sentimental é o mais vil de todos os receios modernos." Eu estou a meio caminho dessas duas generalizações, o que é chato... Quero aprender, mas quero sentir com violência...

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Update Pessoal #2

De volta a uma determinada espécie de post... Mas é bom sinal que desta vez não tenha muito que reportar e que a sensação de fatalismo se tenha desvanecido. Sei que viver implica altos e baixos, só não quero desistir de realizações, de bem-estar emocional, de agarrar com agrado e perspectiva positiva a estrada em que estou. Tenho angústia que chegue (para impelir movimento) quando estou mais ou menos bem. Como agora...

1. Janeiro é me invariavelmente um mês tão opressivo, de desânimo avassalador, como a ressaca de uma antecipação de um clímax que não chega a acontecer e resulta em reset... Sabe bem poder emitir que em 2014 fugi à regra. As notas satisfatórias, por si só, não justificam este twist. O que mudou é que, através de tímidas iniciativas, sinto que estou a criar mecanismos que me permitem ter uma noção de possibilidade exterior (isto foi bué meta). Com isso quero dizer que parece possível desenvolver determinadas relações ou situações com outros seres humanos. Não estou num poço de alienação. Desde o final do secundário que não podia afirmar tal coisa. Tenho estado só sem ficar só, tenho alcançado solitude sem a necessidade de métodos de escapismo ou de entorpecimento como ocorre no Verão. Não posso voltar a isso, por mais que uma reacção anestesiante a que se conhece os cantos seja apetecível pelo conforto.

Interlúdio A: Estou numa fase doentia de The Cure. Adoro estas pancas que me aproximam de determinado artista musical, que me fazem escavar discografias. Já gostava bastante da banda em causa, agora esse gosto está a ascender a algo como um top 10 de todos os tempos, onde figuram bandas com que cresci, em que me moldei, melhores amigos. É ridículo que os The Cure sejam caricaturados como nada mais que uma banda gótica (numa acepção simplória) e melodramática... Disintegration é um dos melhores álbuns que alguma vez experienciei! Uma das canções que mais tenho ouvido (intitular "Untitled" um trabalho sobre incapacidade de expressão é tão inteligente):


 2. O que referi no ponto 1 tem também que ver com o facto de estar a sentir o que estou a sentir por ser humano x. Muito longe de idealismos estúpidos. Passou um milhão de anos desde que passei por um estado semelhante. É possível aliás que nunca tenha passado por isto desta forma. Não com esta certeza e prolongadamente. Quanto mais conheço, menos dúvidas tenho. Tomo-me como uma pessoa melhor ao empatizar com alguém em tamanho grau...

Além disso, não me tenho pautado pelo silêncio. Porque isto é real para mim. Tenho mostrado, tenho dito o que se passa de inúmeras maneiras sem, de verdade, o dizer... Não estou à espera... à espera de nada. Estou a iniciar, a lembrar x que eu existo, a lembrar-lhe que lembro a sua existência. Consequência: de súbito estou mais próximo do que parecia realístico há um mês atrás. As palavras saem tão leves, tão fáceis, sobre os mais diversos assuntos. Essa simples receptividade, sintonia tem me levado a segundos de melancolia transcendente, de êxtase emocional a que por norma só acedo pela arte e num nível mais ténue.

Se pessoa y demonstrasse interesse mais que "amigável" em mim sem que eu o reciprocasse, nunca permitiria qualquer aproximação. Ando a ser tão indirectamente óbvio (acho)... Porém o meu "óbvio" pode não o ser para o interlocutor e posso estar a ser visto como potencial amigo.

Esta ilusão, fundada em factos, faz-me bem, mas convém estar preparado para uma desilusão. É impossível deixar de ter expectativas quando não quero deixar de as ter... Logo se vê. Se for preciso chafurdar na lama, vou agir para que seja algo breve. Vou tentar não me oferecer, não voltar a sobrevalorizar pessoas que se estão a lixar para mim. Estou cansado de me fazerem sentir anedótico, inútil, etc.

Interlúdio B: Se em música tenho estado em mood para The Cure, em cinema tem sido o film noir a empolgar-me. Sempre simpatizei com a fotografia de alto contraste, com os cenários urbanos e nocturnos conjugados com personagens de moral ambígua, com tormentos psicológicos e com diálogo inteligente e cínico. No passado nada me encheu as medidas. Até que esta semana Out Of The Past me arrebatou. Aqui fica um trailer (ranhoso):



3. Metade da minha licenciatura está completa. Felizmente os mínimos que estabeleci no início do meu percurso no ensino superior deixaram de o ser após um único semestre. Aumentaram e mesmo assim tenho margem de manobra de cerca de 1,25 valores. Se acabasse com a média actual seria fantástico, mas não quero incutir em mim um acrescento a uma auto-pressão já exagerada. Num plano prático, para além de estar a adorar, agrada-me a sensação de estar a aprender, a melhorar, a descobrir em áreas que correspondem aos meus grandes interesses. Nomeadamente em cinema sinto-me hoje muito mais capaz de análise e portador de maior conhecimento histórico do que antes de começar o curso. Só continuo anómico face à escolha futura de um mestrado...

Poslúdio: Não acompanho Family Guy. Não sou grande fã, diga-se. De qualquer modo, esta cena é digna de um qualquer hall of fame: