sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Eclipse Sem C

Pões-te no parque, a hora mágica.
À beira dela em pontão.
Aquele onde a fotografavas de costas 
desfeito num réquiem para um sonho
perdido para o Verão passado e quando
a face dela prestes a voltar-se...
Desaparece.

                   re-volta prece
na face prata de uma folha de choupo
branco como uma branca
que cai para lá do cais e se esvai
até onde a memória se afoga, 
                            quando
acordo sonâmbulo solar sentado aqui
Sem saber se rangem as tábuas ou ossos
grisalhos ou entalhos ou atalhos?
Porque eu estava só à procura de cura e
                              reaparece

Ela nos S's da ondulação preguiçosa do rio
Como o universo lançado às cinzas
sem cessar e 
volto-me para transeuntes 
entre delírios de se voltarem para mim e lerem
que já vi vi suficiente para merecer 
O quão tão desapontante a vida
que há quem não consiga,
no fundo da sua face de belida,
deixar de acreditar:
o quão todos acreditamos na conspiração
de se importarem secretamente "comigo"
se a minha apatia tiver pose de fim do mundo 

                                     segundo
mais outro, passado, e o que resta de sol
atinge-me pela água d'ouro em flecha de V 
Vê. 
Todos os momentos este em que quis
uma câmara interna e prometi a mim mesmo
Recordar-me desta precisa sensação
Mas não vou
Presente eterno de tirar e
o banal que antes belo
Horror na pele,
Velho e cinzento.

             cimento 
líquido, saltos de consciência
quânticos, mas volto a prometer que
Vou
Lembrar, ficar, porque este banco, 
a brisa a tarde o toque de luz 
Arrepios na pele
Adensam-se e 
Por um momento eu
vejo os meus olhos fora de mim
Como um transeunte a achar-me belo
Frágil e-terno numa face que,
entre tremores e temores,
dança com os fantasmas das coisas que
nunca foram.
À beira de lágrimas, maremotos.

Beijo-me assim, 
à distância 
de me ver ir embora
Porque o parque, os patos, as gerações,
As crias das crias crescidas 
do Verão passado 
Lembram-me de nós noutra vida -
as mãos dadas de dois miúdos transeuntes - 
e o quanto
cada adulto que viveu 
o suficiente para saber o quão
Desapontante a vida
te abandona tão cedo percas
o timing juvenil da próxima estrela
vicária
da hora mágica que lhe poderias dar 
de novo, já não, 
pois que flua a maldição. 
  
                     são,
assim os círculos na água, reflexos
de filhos ondulatórios e a
lanterna de sol sobre mim que
me cega
põe-me a olhar fixo para baixo  
entre a borda das ripas de madeira
e os S's dela metálicos aquáticos
até que a prata o marrom se colam
pardos, giroscópicos,
e eu descolo   
com o disco de fogo a derreter-me
as amarras, estrela serrada do meu
desaparecimento, vou
coloidal, vou nistagmo porque
os olhos fogem-me tornados relógio  
como ponteiros que avançam o pontão
numa pequena jangada inconsciente

                    um continente
como se o mundo inteiro
me deixasse à deriva
sem fazer barulho, acordo,
adormeço e reacordo:
a ler o meu diário de transbordo,
o tablado do meu monólogo
em que o que me prende à margem
não é mais firme do que água.
Porque tudo o que eu sou
já sempre o que nunca fui
por deixar de o ser. 

E a resignação move-me,
motorista imóvel ou
sala de espera onde 
nem efémeras pousam no ombro
meu de um oblívio que 
não passa pelas pálpebras
porque o mundo prossegue sem
a minha fé em nada nem 
ninguém a quem contar que
Narciso só queria ser Narciso
Esse o crime
de restituir o meu próprio corpo  
quando mesmo a minha mente só
é minha por agora e não
consigo encontrar os meus

                      eus
passados para lhes chover 
como é que isto aconteceu?
os olhos vagos e o facto
que não é como disseram que ia ser...
o meu mundo inteiro desperdiçado a reflectir
memórias, sonhos, fotos, 
pontes partidas como
o nome, mas a cara dela?
O giz da água já não diz
a inutilidade de tentar S'salvar tudo
porque não vai parar
a maré crescente, a contagem decrescente
até dormir no leito do rio

E volto
A face para cima
com vítreos volantes amontoados no desazul
bebé, quais
(detritosistências)
anjos estragados a fugirem de mim
como células desagregadas ao microscópio
que não tenho
mais
para
esvaziar 
à minha alienação
terminal

Devagar rumo a um palco vazio
onde o meu banco raia 
e um cálice de transparente
bebe-me o móbil.
Flutuo pó e
nada disto vai ser cósmico
nada disto vai sequer ser cómico.
Incurável...
Um eclipse que se apagará antes de acontecer.
Um céu que esquecerá como se escurece.
Um poema com uma letra perdida.
A sombra que não conseguirá cobrir tudo.
Um círculo que nunca fechará
(
A resignação da única coisa que
nunca vou ter de responder:
"Como desaparecer completamente?"
Eu sei, eu sei
Eu cem vezes sem

Eu sem

domingo, 13 de julho de 2025

A Minha Vida Em (D)anos








É sintomático que haja pior do que uma fase de pré-consciência ("Bruma"), do qual recordo pouco ou nada. Para ser sincero, todos os anos tiveram as suas dores, mas guiei-me por uma ambiência geral ou pela progressão... Quer dizer, 2014 começou com um episódio desencadeador de tanta angústia e, depois, num lento recuperar melancólico, levou-me ao momento, ao dia, ao período mais belo de toda a minha vida.  

domingo, 29 de junho de 2025

Encontra-me Em...

Eu sou o bilhete amarrotado no chão...
 Eu sou o chão que ficou depois da espera
  Eu sou a espera sentada durante minutos
   Eu sou os minutos à beira do cedro
    Eu sou o cedro e talvez o credo
     Eu sou o credo antes de findar o parque 
      Eu sou o parque para quem entra a norte
       Eu sou o norte apeado do autocarro 33
        Eu sou o autocarro 33 a sonhar à janela
         Eu sou a janela com o pôr-do-sol em reverso
          Eu sou o reverso a subir no cruzamento
           Eu sou o cruzamento ao pé da paragem
            Eu sou a paragem aquecida a tabaco
             Eu sou o tabaco dela a andar em segunda mão
              Eu sou a mão que abriu a porta do prédio
               Eu sou o prédio com cheiro a lixívia 
                Eu sou a lixívia entranhada no corrimão
                 Eu sou o corrimão gasto pelos regressos
                  Eu sou os regressos antecipados no tapete
                   Eu sou o tapete onde debaixo a chave
                    Eu sou a chave, o tédio, o apartamento  
                     Eu sou o apartamento de tudo e todos
                      Eu sou tudo e todos metido no bolso
                       Eu sou o bolso onde dentro a hora
                        Eu sou a hora, o lugar na esperança de alguém
                         Eu sou alguém a escrever a quem não sou
                          Eu sou quem não sou e queria ser no papel
                           Eu sou o papel tirado da gaveta  

quinta-feira, 26 de junho de 2025

Poema Sobre A Origem Do Sentido

 

 

 


.1

 

 

 

 

 



1 Nota prévia para o pós-leitura: para originar o sentido, desenhe um círculo à volta do círculo... caso seja um nome digno de uma Bianal... caso contrário, não funcionará porque não é permitido. Por favor, contente-se com o primeiro; limite-se a vê-lo por um ecrã.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Azul Perfeito (Mondrary Fields)

“Nem vais acreditar!”, abrias a veneziana
Acordava eu num estrépito a forno de lenha
Sorrias, o cheiro a almoço preferido a senha?
... do nada, assaltávamos a rua na leviana

“Vem vem”, sóis sob o que um céu diáfano emana
Azul perfeito e sempre-verde alface, montanha?
Como que num filme da Ghibli que nos apanha
A descer uns alpes desde a de pedra cabana

Cheios sem comer, gestos de edelvaisse por um prado
Euforias de corredor, mas ténues respirares
Açúcar que lavava os dentes, absurdos assuntos?  

E ao fundo ou acima, eis sós, um lago querenado
Os nossos reflexos telegénicos, tu explicares
este sítio mágico onde “Olha, ainda estamos juntos!”.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Aurora

Os dias, os dias eram ouro
Sempre que não eram agora
E volto vulto dez anos de gora
À juventude sónica,
o nosso fogo roubado.
Lembras-te?
O banco, a cidade, o miradouro
Todas as vezes brilhantes que chegavas
O lugar onde primeiro falaste da Aurora.

O luar e aqui resto eu. Agora.
Um sentar mineral no banco panorâmico...
A cidade morta, a artéria aorta
De carros a comutar lá abaixo
De casa pro trabalho, de casa pro trabalho.
Aurigos eléctricos a sangrar insignificância,
Corridas de chicotes circulares
Faíscas de faróis flavescentes
E estávamos tão acima disso, lembras-te?
Falávamos...
A Aurora,
Um dia,
quando tudo ficar bem.

Timelapse, timelapse,
Um dia estás aqui, o outro estás ali.
Em pistas de cicatrizes, motores motrizes
o peso das coisas que não dizes
Quando começámos a só dizer...
Amo-te no ruído dos carros que passam
como as promessas de nunca sermos assim.
Com a Aurora.
Sempre nunca agora.
Amanhã. Ou outrora?
Um dia quando fôssemos novos.

Na década em que me sento agora.
A decadência.
E o clichê compreensivo.
Que nada acima de tudo.
Que tudo seria voltar-te do trabalho pra casa.
E todos os dias ir buscá-la à escola.
Um dia.
A glória de ver como ela aflora.
Lá abaixo, iluminação, metido pelo trânsito que doura
À noite à espera da Aurora.

E querer clamar-te:
“Estou aqui”.
No miradouro de teres ido embora.
Especado a ver outra ERA onde era
a casa onde costumavas viver.
(Quando miúda)
Lá em baixo.
Só o tempo
Dura.
Dane-se só o tempo não é imobiliária...
Esta maldita máquina de desolação que tudo esmaga.
Lobos a “venderem sonhos” com os seus ternos e gravatas.
As presas da cidade nas nossas veias
E cada vez mais, lembras-te?
Parecia que falhávamos a Aurora.
Pra outra hora.

Timelapse, timelapse,
Um dia estás viva, outra noite...
Estou aqui.
A editar paralisado à velocidade de deus
como uma câmara a ver no suar suave dos carros encruzilhadas
que saltavas para me abraçar
e o teu sorriso em 360 graus
misturado com as estrelas no céu
uma grande unificação de
linhas luzes e as minhas lentes aquáticas
Todas as lentas mudanças imperceptíveis  
Até vir a não haver a Aurora
Numa pedra a viajar pelo espaço onde ela não mora.

Aqueles,
Aqueles eram os dias, lembras-te?
Formávamos um único poro
Movíamos montanhas e entranhas
Exalávamos o mesmo ar ar ar
Tanto!
Este deslumbramento ansioso de raiarmos pela cidade
Como num videojogo de aventura
(os que me vias jogar...)
“Olha, outro brilhante sítio novo!”
Banhados ao sol...
E tudo, tudo dourado podia ficar
Quando a tua cabeça no meu colo neste banco
Falava
Da cor que o meu cabelo nela ia rimar.
“N’Aurora. Claro... não agora”.
 
Antes de anos e planos e demasiados danos.
De um dia
(do nada)
Os teus olhos começarem a dizer:
“Tenho más notícias”.
Aquela maldita máquina de desolação a entrar-te no cérebro...
Anjos metálicos de cinquenta toneladas a roubar-te o cerne...
Alguém a apagar a luz contigo lá dentro.
“Desculpa, odeio tudo, este mundo esmaga tudo”.
E silêncio nocturno cá estou eu.
Vazios:
O banco, o parque, o cimento, o pneuma.
O zumbido do poste iluminador de começar a...
Postergar a Aurora
Pela vida viaduto via tudo fora.

Timelapse, timelapse,
Este lugar este tempo onde todos os temposlugares colidem
Arcos, raios, cortinas, coroas à minha frente
Cinergia estática, sobrecargas e esta
Ansiedade espiritual
Atenuada aumentada não sei
Como se
Pudesse retroceder o filme
Por entre
Faces de multidões anónimas
Caras de brancas e solidões distantes
Para antes do gore e a gora de também as sermos
E a a a ataques de actividade, me invadissem as estradas
Perdidas, mil saídas de âmbar a procurar
O dia
O momento
O ponto
Em que abandonámos a Aurora.
Para um espectáculo de sombras.
Sempre?

E agora...
Acelera acelera acelera!
Vejo
O frio, a primeira vez que entraste no meu quarto
O teu vestido florido - as nossas silhuetas magnéticas
A pen que te dei com o Lost In Translation
A caixa com chocolates que guardavas debaixo da cama
Chorarmos de rir de chorarmos de rir de...
Ser real.
Sonhos de celuloide caleidoscópios meus teus
A noite em que nos conhecemos a falar para sempre
(“Obrigado por existires”)
Como se a aurora nunca fosse chegar.
Porque como se chegássemos nós um para o outro.
Como um mundo de dois corpos só
Com cercas para o mundo que esmaga.
E esmagou-nos.
No lapso timelapse de o deixarmos entrar
Aos poucos, rapidamente.
Como um cancro de ódio petróleo p’las veias.

... e acho que
perdemos a Aurora quando
começámos a falar dela
Metonímia, salvação, instrumento, conflação
De um dia tudo (ter de) ficar bem.

E aqui restolho eu.
À espera que acabe, passe
Como quem não consegue
(Patética repetição irónica)
Deixar de esperar pela Aurora
A segunda vinda
Cá, a cair lá abaixo
Entre as obras, os carros, ziguezagues de trigo
O timelapso
Como uma franja de safira bebé
A derramar-se sobre todos os corpos, edifícios, pétalas
Com orvalho no canto dos olhos
Bocejantes após um longo sono.
E aí eu ia olhar para trás no carro
Vê-la no banco onde me costumava sentar
(quando miúdo.)
E a beleza, a graça, a transcendência!
Da vida o artigo indefinido dela.

Aurora, Aurora, agora!
Sagrada como uma tora
Arpeggios a aloirar pela velo-cidade.
E pensar
Sem pesar.
As suas paralaxes coisas qualia
A dor e o que ela adora
Querer crer e sabê-las
(onde estava a cabeça dela quando a tinha à janela?)
(onde estavam os pés dela quando devaneava na escola?)
O mistério silente de lhe darmos o espaço, o tempo (voa!)
Sermos o barro nas mãos dela.
O que fosse.
Cada vez mais Aurora.

E íamos contar-lhe a história
De como nos conhecemos durante a noite
Sem nunca esquecer que os dias
Os dias eram ouro!
E que sempre, sempre, os verões se estavam a dissipar
Pelo que nunca tivéramos de nos perguntar
Se podíamos começar outra vez agora
Sem todas as coisas que nos desiludiram
Porque tu não ias cair com elas.

Com a Aurora.
Tão mais que só a fonética de enrolar a língua na hora de dizer...
Aurora, Aurora, Aurora...
Porque era assim que a tua mãe te ia chamar quando ainda estava aqui.